quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Terra

A terra é, de fato, um direito de todos?
Desde o surgimento do MST muito tem se falado sobre a questão da terra no Brasil, mas a luta por ela não é uma característica dos dias atuais. O problema da divisão de terra, nesse país, teve início logo após a invasão dos europeus, quando se dividiu o território brasileiro por meio das Capitanias Hereditárias. Com a intenção de ocupar o país para que ele não fosse invadido por outros povos, distribuiu-se muita terra para poucas pessoas (geralmente nobres falidos) escolhidas pelo rei de Portugal, possibilitando, assim, a formação de grandes latifúndios.

De lá para cá outras pequenas divisões foram feitas, mas, se mudou a quantidade de terras destinadas a cada novo dono, poucas mudanças aconteceram no que diz respeito à classe social deles. A terra continua concentrada nas mãos daqueles que têm melhores condições financeiras, enquanto a maior parte da população não tem direito, sequer, a um pedaço de chão onde possa construir seu lar.

Entretanto, embora possa parecer paradoxal, quem mais tem terra, talvez, nunca tenha se sujado com ela, nunca a tenha cultivado com as próprias mãos, não conheça seu cheiro quando a chuva cai sobre ela. Enquanto que aqueles, para quem ela é apenas um desejo, sabem da sua textura, do seu cheiro, do seu calor ou umidade, da sua cor, enfim, conhecem-na como conhecem a si mesmos porque estão acostumados a se lambuzar dela, a senti-la sob os pés ou sobre as mãos na luta diária pela sobrevivência.
Engana-se, porém, quem acredita que esse paradoxo ilustra totalmente a questão da terra no Brasil e que se pode separar, de um lado, os que a têm, mas não a cultivam ou não trabalham nela e, de outro, aqueles que não a possuem, mas que a cultivam para terceiros. Não é tão simples assim. Há ainda outros que, além de não possuí-la, nem sequer, têm o privilégio ou direito, de, ao menos, trabalharem nela, pois é grande o número de trabalhadores que não conseguem um emprego nos grandes latifúndios.

Não se pretende dizer que ser empregado de latifundiário é a solução. Indubitavelmente que não é, mas parece ser inegável que o desemprego nas áreas rurais tem contribuído bastante para aumentar a massa que anda dias, semanas, meses, empunhando suas bandeiras vermelhas em busca de um pedaço de chão que possa chamar de seu, onde possa construir sua casa, plantar sua lavoura, sua horta, enfim, fazer aquilo que é característico do ser humano, desde os primórdios da humanidade: cultivar a terra para dela tirar seu sustento.

A nenhum ser humano deveria ser negado esse direito, ou seja, o direito à terra. Negar ao homem o direito à terra é, de certo modo, tirar-lhe o direito de uma existência digna. Sem ela, ele perde um pouco de sua identidade, pois todo homem é, de certa forma, parte da terra e, portanto necessita dela para viver.
E deve ser por isso que, embora sofra inúmeras ameaças e os mais duros tipos de repreensão, ainda há tanta gente que não perdeu a coragem de lutar por esse direito e continua firme, na crença de que é possível uma divisão de terra mais justa onde cada indivíduo tenha dela apenas a quantidade necessária para viver com dignidade.
Entretanto, essa tem sido uma luta desigual, pois, se a terra, nesse país, está nas mãos de poucas pessoas, também a lei não é benefício de todos. E assim como aquela pertence, geralmente, a quem tem maior poder aquisitivo, esta tem servido, na maioria das vezes, a quem pode pagar por ela.

É por essas e outras coisas que essa luta carece, imediatamente, de indivíduos que estejam dispostos a reverter essa situação, que só poderá ser mudada a partir do momento em que forem criadas leis que estejam a serviço de todos os cidadãos e não de uma minoria.

Mas é fato que pouco será feito, enquanto a luta se constituir, apenas, na leitura dos grandes teóricos que discorrem sobre a questão da terra no Brasil, na citação dos artigos que garantem o direito a ela ou, simplesmente, na enumeração e constatação da quantidade de pessoas que não têm esse direito.
Tudo isso é válido e importante, mas só isso não basta. Ações mais contundentes e efetivas são necessárias. A Constituição brasileira reza que todo ser humano, independente de credo, raça ou posição social, tem direitos iguais. Mas, por enquanto, isso é só teoria. Fazer a lei valer é um dever de todos os cidadãos e, principalmente, daqueles que são pagos para isso.


Dalva Ribeiro